sábado, 29 de outubro de 2011

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

domingo, 23 de outubro de 2011

DESENHO - em guarda 1 



                                                        DESENHO - em guarda 2


sábado, 22 de outubro de 2011

Linhas Retrô

Matilda deveria trocar de nome:
- Ô nome brega, o que será que minha mãe pensou na hora que me registrou com esse nome.
E encheu novamente as mãos com os cabelos fartos e ondulados. Brilhosos. Puxou em rabo, prendeu e fez argolas com as mechas. Grampos e mais grampos.
Como se não bastasse colocou um laço de cetim rosa na parte superior da cabeça. E com um chiclete na boca admirou-se no espelho da porta do armário.
Virou de perfil, ajustou a saia do vestido marinho, petipoá branco, verificou se não havia nenhuma linha fora do lugar, pegou a bolsa em verniz, beijou a mãe, que já não era mis, e saiu. Nas escadas do prédio  ouviu um elogio:
- Vai procurar emprego? Com esse corpinho eu te arranjaria um fácil, fácil!
- Qual é Pedrão, tá me estranhado?
- É que eu não sei calar a minha bôca. Vamos lá, dá uma chance aqui pro fofão!
- Vê se te enxerga. Até mais!
E lá se foi para mais uma tentativa de sair da mesmice. 
Pensou, pensou, pensou que o Pedrão tivesse razão. Parou, entrou num bar e pediu um copo de chá gelado. Sentou, tirou um lencinho da bolsa e secou o suor. 
- A madame tá com fome? Tem uns pastéis fresquinhos. 
- Não, não, talvez na volta. 
Matou a sêde e saiu à trote. Segurou-se impávida nos saltos para não escorregar e torcer o pé. 
- Quem é que teve idéia de calçar as ruas com essas pastilhas. 
Tratou de caminhar mais rápido. E aos pulinhos chegou à Agência de Modelos "Nalata". 
Dois andares de elevador e saiu tinindo ao encontro da secretária. 
- Menina hoje tem é um comercial de pasta de dente!
- Já não era sem tempo. 
- Só que você vai ter de trocar a roupa. 
- Tá bem! 
E entrou no camarim. 
Dali à cinco minutos bateram na porta:
- Vamos logo benzinho, passe um lenço de leve nos lábios e limpa os dentes que estão vermelhos. 
Salva por um guardanapo. E foi quase mancando. Trabalho terminado voltou ao camarim, arrumou-se e saiu. 
- Coitadinha, disse a secretária, filha de uma ex-miss e está aí nessa penúria. 
Salva pelo corpinho lindo. 
Matilda, cansada, não via a hora de chegar em casa. 
Na escada do prédio tropeçou em um degrau e quase foi de bico ao chão, se não fosse por Pedrão. 
- Obrigada! 
Levantou-se, ajeitou o vestido e subiu. Não sem antes notar que a camisa do seu salvador era xadrez preto e branco que nem o chão da entrada do prédio. 
- Vou lá, mamãe deve estar me esperando. 
E Pedrão abanou com um lenço na mão e um charuto na outra. 

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

quinta-feira, 20 de outubro de 2011





"Inspiração"

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

"KADU"


                                                                     

                                                                                                                                                

Aquele verão ficara comprido demais. Não conseguia perceber a beleza e o encantamento das coisas que estavam  à minha volta. Mamãe morrera. Tinha a sensação de que fora ontem. Doía muito a falta que eu sentia dela. Minha cabeça estava cheia de perguntas e eu não sabia todas as respostas.
KADU, tinha 7 anos quando morava perto de Bengala[1], em uma terra onde plantavam inhame,  com Ab[2] Nazir e Umm[3] Sale”.
Tudo ia bem até o governo começar a importunar Nazir para aderir a projetos políticos escusos. Ele não aceitou e começou uma perseguição terrível. Um dia papai chegou em casa esbravejando, chutando tudo que via pela frente. Até o dia em que ele foi morto. Enganaram a todos e disseram que tinha sido um acidente.
Sale pegou um emprego de faxina no centro da cidade. Ela se recuperou após algum tempo e casou com Kenui. Não gostei  muito do padrasto mas não era violento e dava tudo o que nós precisávamos. Mudamos-nos então para um lugar melhor, com uma casa maior. Foi nesse lugar que nasceram meus outros três irmãos: Benazir, Pojo e Melina. Cada vez que mamãe engravidava mudava de emprego.
Certo dia ela voltou para casa com o rosto machucado. Havia apanhado no emprego. Kenui foi reclamar e quase foi morto. Salvo por pessoas que passavam por ali. Não conseguimos mais ficar naquele lugar e nos mudamos. Lá fomos nós em uma camionete, como se fôssemos animais soltos e partimos dali. Toda a família teve de se mudar .  Perdemos tudo. Viajamos um dia inteiro e finalmente chegamos à cidade de Bonu[4].
Fomos morar de favor na casa de um  parente afastado de meu padrasto.  A situação não estava nada boa. O marido de mamãe ficou muito triste porque não conseguia emprego e começou a beber. Meus irmãos eram pequenos ainda e eu tinha 11 anos.  Ele ficou doente. Sem dinheiro a família não podia pagar um tratamento e Kenui morreu de cirrose.
Meus Deus! Foi um choque para todo mundo. Mamãe  ficou muito triste. Perdera dois maridos e não sabia mais o que fazer. Depois de alguns meses Umm arranjou um emprego em que dizia ser mais fácil ganhar dinheiro. Nos mudamos para um bairro mais afastado e numa casinha simples fomos morar. Cresci vendo ela sair à noite e voltar de madrugada. Mamãe  não dizia por nada onde trabalhava, não podia. Era para botar comida na mesa e pagar meus estudos.
Meus avós, coitados, ficaram mais velhos e abatidos. Jadd[5] teve uma doença rara e ficou paraplégico. Jaddah[6] ficou então com toda a carga de trabalho para cuidar de meus irmãos, pelo menos enquanto eu estava na escola. E assim foi até eu completar 16 anos.
Certa noite Sale voltava para casa, tonta por ter bebido e foi atropelada na estrada. Não sobreviveu. Nós afundamos e ficamos à mercê da caridade dois vizinhos. Agora estou eu aqui tentando entender tudo o que aconteceu. Não consigo aceitar tanto sofrimento. Sinto saudades daqueles dias em que eu tinha sete anos.
- Vovó  será que a vida vai um dia melhorar?
- Você tem três irmãos e nós ainda estamos todos juntos. Não fique assim querida, se Deus quiser tudo vai melhorar.
Não agüentei e chorei. Acredito que chorei a noite toda e por todos os anos de sofrimento, pois acordei com olhos inchados que mais pareciam duas mangas.
E não é que Deus olhou para nós e nos enviou uma  coisa boa? Me ofereceram um cursinho de datilografia na escola onde eu estudava e aceitei. Esse tempo durou um ano e então arranjei um emprego de secretária.
Vovô começou a fazer artesanato esculpindo madeira que sobrava de uma fábrica do bairro. A pessoa que trazia os pedaços de madeira ficou tão compadecida da situação que resolveu nos ajudar e arrecadou doações e madeira pelo bairro todo. Conseguimos então trocar o telhado da casa, fazer uma área para lavar roupas,  compramos uma  máquina de lavar usada e fizemos um tanque de tijolos e cimento. Com meu emprego consegui juntar um pouco de dinheiro e comprei à prestação duas camas. Meus irmãos e eu dormíamos, até então, sobre caixas de engradados colocadas umas ao lado das outras e com acolchoados por cima.
Um dia conheci um rapaz muito bom. Ele era um dos sócios da firma onde eu trabalhava. Foi conhecer minha família e ficou encantado com a união e respeito com que todos se tratavam. A firma progrediu e nós casamos. Compramos um terreno perto do centro e iniciamos a construção de nossa casa.
Fomos morar todos juntos na casa nova. Tinha até uma rampa para a cadeira do vovô. Eu estava grávida de dois meses. Meus irmãos ficaram muito faceiros com a notícia. Eles estavam com oito, dez e onze anos. Os negócios cresceram, meus irmãos estavam em uma boa escola de bairro e no final do ano o bebê nasceu coroando de felicidade o natal em família.





[1] Bengala – nome original de Bongor / Chad
[2] Ab – pai
[3] Umm – mãe
[4] Bonu – Nigéria
[5] Jadd – avô 
[6] Jaddah – avó