sábado, 22 de outubro de 2011

Linhas Retrô

Matilda deveria trocar de nome:
- Ô nome brega, o que será que minha mãe pensou na hora que me registrou com esse nome.
E encheu novamente as mãos com os cabelos fartos e ondulados. Brilhosos. Puxou em rabo, prendeu e fez argolas com as mechas. Grampos e mais grampos.
Como se não bastasse colocou um laço de cetim rosa na parte superior da cabeça. E com um chiclete na boca admirou-se no espelho da porta do armário.
Virou de perfil, ajustou a saia do vestido marinho, petipoá branco, verificou se não havia nenhuma linha fora do lugar, pegou a bolsa em verniz, beijou a mãe, que já não era mis, e saiu. Nas escadas do prédio  ouviu um elogio:
- Vai procurar emprego? Com esse corpinho eu te arranjaria um fácil, fácil!
- Qual é Pedrão, tá me estranhado?
- É que eu não sei calar a minha bôca. Vamos lá, dá uma chance aqui pro fofão!
- Vê se te enxerga. Até mais!
E lá se foi para mais uma tentativa de sair da mesmice. 
Pensou, pensou, pensou que o Pedrão tivesse razão. Parou, entrou num bar e pediu um copo de chá gelado. Sentou, tirou um lencinho da bolsa e secou o suor. 
- A madame tá com fome? Tem uns pastéis fresquinhos. 
- Não, não, talvez na volta. 
Matou a sêde e saiu à trote. Segurou-se impávida nos saltos para não escorregar e torcer o pé. 
- Quem é que teve idéia de calçar as ruas com essas pastilhas. 
Tratou de caminhar mais rápido. E aos pulinhos chegou à Agência de Modelos "Nalata". 
Dois andares de elevador e saiu tinindo ao encontro da secretária. 
- Menina hoje tem é um comercial de pasta de dente!
- Já não era sem tempo. 
- Só que você vai ter de trocar a roupa. 
- Tá bem! 
E entrou no camarim. 
Dali à cinco minutos bateram na porta:
- Vamos logo benzinho, passe um lenço de leve nos lábios e limpa os dentes que estão vermelhos. 
Salva por um guardanapo. E foi quase mancando. Trabalho terminado voltou ao camarim, arrumou-se e saiu. 
- Coitadinha, disse a secretária, filha de uma ex-miss e está aí nessa penúria. 
Salva pelo corpinho lindo. 
Matilda, cansada, não via a hora de chegar em casa. 
Na escada do prédio tropeçou em um degrau e quase foi de bico ao chão, se não fosse por Pedrão. 
- Obrigada! 
Levantou-se, ajeitou o vestido e subiu. Não sem antes notar que a camisa do seu salvador era xadrez preto e branco que nem o chão da entrada do prédio. 
- Vou lá, mamãe deve estar me esperando. 
E Pedrão abanou com um lenço na mão e um charuto na outra. 

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